Mais uma verdade... leiam.
Os funcionários públicos da saúde.
Criança com sintomas há 3 meses, perdendo rapidamente a força dos braços e pernas. O simples exame do seu corpo desnudo já indicaria a doença sindrômica que tinha, para alguém que estudou. Chegou no HUSE já sem conseguir andar ou comer sozinha. Menina simpática, sempre de trancinhas; amedrontada, como toda criança de 6 anos. Os exames mostraram um tumor imenso, dentro da coluna vertebral cervical (pescoço). A medula estava comprimida a tal ponto que era difícil acreditar que ainda estivesse viva. Tínhamos que operá-la o mais breve possível (coisa difícil no SUS). Finalmente conseguimos uma vaga no CTIP (Centro de Tratamento Intensivo Pediátrico), na sexta-feira. Não deveríamos fazer cirurgias que não são de urgência no final-de-semana, principalmente de folga. O próximo dia útil seria somente na terça-feira. Talvez não sobrevivesse até lá. A culpa seria do "sistema", do serviço público, do governo.
Ninguém está obrigado a trabalhar nos seus dias de folga. Os filhos cobram sua presença, a família cobra sua atenção, o corpo cobra exercício e a mente cobra descanso. Tentei convencer-me insistentemente que o problema não era meu. Deveriam haver outros funcionários para fazê-lo, a vaga deveria ter surgido anteriormente, o diagnóstico deveria ter sido dado muito antes por quem primeiro viu. Tentei convencer-me insistentemente que o problema não era meu. Os políticos deveriam fazer um serviço de saúde melhor, os juízes deveriam prender os políticos corruptos, o povo deveria não vender o voto. Tentei convencer-me insistentemente que o problema não era meu.
Não consegui. A consciência não permite, a moral não deixa. Abandonei a família no início da manhã de sábado, antes que os filhos acordassem e começassem a chorar porque iria trabalhar no dia que estava de folga. Fui ao hospital, consegui o apoio de todos os outros servidores públicos (outros médicos, enfermeiros, técnicos, etc) para operar uma cirurgia eletiva num sábado, terminei o procedimento no início da tarde. Tumor completamente retirado. Menina viva; sem seqüelas adicionais, apesar do grande risco. Consciência tranqüila. Pude curtir o resto do meu fim-de-semana em paz. A paciente já está comendo e reclamando. Está bem.
A culpa da ineficiência do serviço público de saúde não é minha. Não é nossa. Vejo diariamente ações idênticas de outros médicos, de enfermeiros, de técnicos. Quem trabalha com a vida não se permite ser burocrático. Não se permite ser mais um funcionário público. Há maus funcionários, como em todo canto, e eles nunca são punidos. Os bons nunca são premiados.
Estudei 6 anos de faculdade, 5 anos de especialização. Ainda estudo. Entrei no serviço público como neurocirurgião e vou me aposentar como neurocirurgião. Sem ascensão profissional, sem benefícios, sem incremento de salário. Meu emprego não me dá uma sala para trabalhar, não me dá secretária, não me dá motorista, não me dá vaga de estacionamento exclusiva. Não precisamos. Queremos respeito, condições de trabalho e salário JUSTO. Pela mesma carga horária, não ganho um terço de um juíz ou promotor, nem metade de um delegado. Poucas horas no setor privado me pagam muito mais.
Criticar sem conhecer é injusto, é desonesto e é cruel. Apontem os dedos para os políticos que querem imputar-nos a crise na saúde. Eles são os verdadeiros culpados. Quem os elege também.
A culpa não é dos bons médicos.
Criança com sintomas há 3 meses, perdendo rapidamente a força dos braços e pernas. O simples exame do seu corpo desnudo já indicaria a doença sindrômica que tinha, para alguém que estudou. Chegou no HUSE já sem conseguir andar ou comer sozinha. Menina simpática, sempre de trancinhas; amedrontada, como toda criança de 6 anos. Os exames mostraram um tumor imenso, dentro da coluna vertebral cervical (pescoço). A medula estava comprimida a tal ponto que era difícil acreditar que ainda estivesse viva. Tínhamos que operá-la o mais breve possível (coisa difícil no SUS). Finalmente conseguimos uma vaga no CTIP (Centro de Tratamento Intensivo Pediátrico), na sexta-feira. Não deveríamos fazer cirurgias que não são de urgência no final-de-semana, principalmente de folga. O próximo dia útil seria somente na terça-feira. Talvez não sobrevivesse até lá. A culpa seria do "sistema", do serviço público, do governo.
Ninguém está obrigado a trabalhar nos seus dias de folga. Os filhos cobram sua presença, a família cobra sua atenção, o corpo cobra exercício e a mente cobra descanso. Tentei convencer-me insistentemente que o problema não era meu. Deveriam haver outros funcionários para fazê-lo, a vaga deveria ter surgido anteriormente, o diagnóstico deveria ter sido dado muito antes por quem primeiro viu. Tentei convencer-me insistentemente que o problema não era meu. Os políticos deveriam fazer um serviço de saúde melhor, os juízes deveriam prender os políticos corruptos, o povo deveria não vender o voto. Tentei convencer-me insistentemente que o problema não era meu.
Não consegui. A consciência não permite, a moral não deixa. Abandonei a família no início da manhã de sábado, antes que os filhos acordassem e começassem a chorar porque iria trabalhar no dia que estava de folga. Fui ao hospital, consegui o apoio de todos os outros servidores públicos (outros médicos, enfermeiros, técnicos, etc) para operar uma cirurgia eletiva num sábado, terminei o procedimento no início da tarde. Tumor completamente retirado. Menina viva; sem seqüelas adicionais, apesar do grande risco. Consciência tranqüila. Pude curtir o resto do meu fim-de-semana em paz. A paciente já está comendo e reclamando. Está bem.
A culpa da ineficiência do serviço público de saúde não é minha. Não é nossa. Vejo diariamente ações idênticas de outros médicos, de enfermeiros, de técnicos. Quem trabalha com a vida não se permite ser burocrático. Não se permite ser mais um funcionário público. Há maus funcionários, como em todo canto, e eles nunca são punidos. Os bons nunca são premiados.
Estudei 6 anos de faculdade, 5 anos de especialização. Ainda estudo. Entrei no serviço público como neurocirurgião e vou me aposentar como neurocirurgião. Sem ascensão profissional, sem benefícios, sem incremento de salário. Meu emprego não me dá uma sala para trabalhar, não me dá secretária, não me dá motorista, não me dá vaga de estacionamento exclusiva. Não precisamos. Queremos respeito, condições de trabalho e salário JUSTO. Pela mesma carga horária, não ganho um terço de um juíz ou promotor, nem metade de um delegado. Poucas horas no setor privado me pagam muito mais.
Criticar sem conhecer é injusto, é desonesto e é cruel. Apontem os dedos para os políticos que querem imputar-nos a crise na saúde. Eles são os verdadeiros culpados. Quem os elege também.
A culpa não é dos bons médicos.